“There is always a lighthouse, there’s always a man, there’s always a city” — 10 anos de BioShock Infinite

Em BioShock Infinite, saímos da cidade submersa de Rapture e subimos aos céus até a cidade flutuante de Columbia.

Há uma década estava sendo lançado um dos melhores jogos de FPS já criados. Por mais fissurada por jogos que eu seja, poucos são os games capazes de me cativar tão profundamente. O caso de BioShock Infinite é interessante. Após jogá-lo por algumas horas, comentei com o meu namorado sobre a sensação de o jogo ter me feito “voltar a ser criança”. Fiquei completamente absorvida pelo universo e pela história, entorpecida pelos pequenos detalhes repletos de easter eggs, pela beleza dos gráficos e pela vivacidade de Columbia. Este texto é a minha declaração de amor por essa obra de arte.

Terceiro título da aclamada série BioShock produzida pela Irrational Games, Infinite se passa em 1912, portanto, sua história é anterior à dos outros dois títulos. O jogo tem como protagonistas Booker DeWitt, ex-Pinkerton enviado para a cidade flutuante de Columbia com o objetivo de encontrar uma misteriosa mulher e levá-la a Nova York como pagamento de uma dívida; e Elizabeth, jovem mantida cativa em uma torre sob vigilância de uma criatura mecânica chamada Songbird.


"If an atom could be suspended indefinitely, well — why not an apple? If an apple, why not a city?" — Rosalind Lutece.

Para resgatar a jovem, Booker precisa adentrar a recôndita cidade de Columbia, momento em que o jogador familiarizado com os dois títulos anteriores da série se vê diante de um cenário conhecido: o farol. Na série BioShock, o farol é o ponto de partida para a narrativa, levando o jogador à utópica cidade submersa de Rapture, idealizada por Andrew Ryan e fundamentada nos preceitos do Libertarianismo e Objetivismo; e à Columbia, autocracia religiosa fundada por Zachary Comstock para servir como uma espécie de “Nova Arca”. Tais relações sintetizam a premissa central da série, “sempre haverá um farol, sempre haverá um homem, sempre haverá uma cidade”

A narrativa de Infinite desenrola-se durante o crescimento do Excepcionalismo Americano, ideologia cujo pilar central é a crença de que os Estados Unidos é uma nação superior e destinada por Deus a subjugar as demais. Tal ideologia é personificada na cidade de Columbia, que embora à primeira vista encante por sua beleza, cores vibrantes e progresso tecnológico, foi construída por e para Brancos, Anglo-Saxões e Protestantes (WASP) norte-americanos, institucionalizando a escravidão e marginalizando a população pertencente a outras etnias.

Aerotrilhos de Columbia, inicialmente usados para transporte de cargas e, após, para locomoção.

O processo de resgatar Elizabeth prova-se bem mais difícil do que parece quando Booker percebe que há uma profecia em torno da figura da jovem, segundo a qual ela seria uma espécie de “messias” da cidade e herdeira de Zachary Comstock, autoproclamado “profeta”. Comstock é cultuado como um líder religioso pelos habitantes de Columbia, exercendo poder autocrático sobre a cidade. Sendo assim, a polícia local é formada por fanáticos dispostos a darem sua vida para manter Elizabeth trancada. Outro entrave para a fuga de Booker e Elizabeth é a criatura feita para proteger a jovem e impedi-la de sair de sua torre, Songbird. Não se sabe ao certo o mecanismo envolvido em Songbird, embora existam diversas especulações acerca de sua origem. O fato de o seu design ser muito parecido ao de um Big Daddy originou teorias de que haveria um humano dentro do enorme pássaro metálico. Será?

Embora Songbird seja conhecido como o guardião da jovem messias de Columbia, ele é temido pelos cidadãos columbianos. Na cantiga de roda columbiana a seguir, fica evidente que sua figura é aludida pelos adultos para assustar as crianças caso não se comportem:

                   “Songbird. Songbird, see him fly,

                     drop the children from the sky.

                     When the young ones misbehave,

                     escorts  children to their grave.

                     Never talk-back, never lie,

                     or he'll drop you from the sky”.

Não bastasse o fanatismo religioso em torno da personalidade do profeta e a profecia envolvendo Elizabeth, a despeito da aparente calmaria, Columbia encontra-se à beira de uma guerra civil entre a Elite dos Fundadores — a classe branca da cidade, defensora dos interesses de americanos “puros” — e a Vox Populi — grupo de insurgentes formado pela população considerada “inferior” pelos primeiros. Liderada por Daisy Fitzroya Vox representa um levante comunista frente à opressão perpetrada pelo grupo dominante, unindo a população escravizada (constituída por negros, asiáticos e demais estrangeiros) em busca de igualdade de direitos. Desta feita, Infinite aborda temáticas complexas, tais como fundamentalismo religioso, racismo, radicalização de movimentos sociais, desigualdade social e escravidão.

Em meio a esse conflito de classes, Booker percebe que Elizabeth é dotada de estranhos poderes: a jovem pode manipular fendas no espaço-tempo presentes em Columbia, fazendo uso dessa habilidade extraordinária para trazer elementos de universos paralelos a fim de ajudá-los em batalha. No decorrer da trama, percebemos que tais fendas no espaço-tempo são bem conhecidas pelos cidadãos de Columbia, que as exploram para criar armas, tecnologia e até mesmo músicas futuristas, fato que traz elementos anacrônicos para o ano de 1912.

                                                    

Abro um longo parêntese aqui para comentar a respeito da trilha sonora, que, por sinal, faz parte dos divertidos easter eggs do jogo. Além da música composta exclusivamente para Infinite, a trilha sonora segue o mesmo padrão dos BioShock anteriores, trazendo músicas bem antigas (décadas de 1920 e 1930). O diferencial de Infinite está nas versões de hits das décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990 nos moldes antigos, conhecidas como Columbia’s anachronistic hits. Já em nossos primeiros passeios em Columbia, somos surpreendidos por uma apresentação do The Barbershop Quartet performando a canção God only knows, de The Beach Boys.

The music of tomorrow... Today!

A bela canção Everybody wants to rule the world do Tears for Fears também ganhou a sua versão à la 1912. O mais engraçado é que não consegui reconhecê-la de imediato, tanto que comentei: “Nossa! Adorei essa música, é tão legalzinha”. Para quem não sabe, ela possivelmente é a minha canção preferida da década de 1980, então foi uma surpresa quando percebi tê-la adorado em uma versão completamente diferente.

De Requiem em ré menor de Mozart a Fortunate son do Creedence, a trilha sonora de Infinite é de altíssima qualidade. Todas as músicas foram bem escolhidas e conectam-se perfeitamente com o momento em que aparecem na narrativa.

                                                    ♫

Columbia foi construída por meio do fenômeno de “Levitação Quântica”, descoberto pela física Rosalind Lutece ao fazer experimentos suspendendo átomos no ar. À medida que Rosalind avançava em seus estudos, ela perguntou-se sobre a possibilidade de suspender objetos maiores. Interessado no trabalho de Lutece — chamado por ela de Lutece Particle Comstock resolveu financiá-lo, com a condição de que ela o ajudasse a construir uma cidade no ar, a qual supostamente ele teria visto em uma premonição.

Monumento para Rosalind Lutece

Além da Lutece Particle, Columbia é sustentada por balões, dispositivos de propulsão e hélices, os quais podem ser vistos espalhados ao longo da cidade. A infraestrutura também conta com captadores de chuva que coletam água para abastecimento da população e uso na agricultura.

“When I was a girl, a dreamt of standing in a room looking at a girl who was and was not myself, who stood looking at another girl, who also was and was not myself. My mother took this for a nightmare. I saw it as the beginning of a career in physics”.   — Rosalind Lutece.

Eu sou absolutamente fissurada pela temática de universos paralelos. Certamente é minha temática preferida quando o assunto é ficção científica, e não por acaso, Fringe é minha série favorita. BioShock Infinite trabalha com um conceito de universos paralelos semelhante ao dessa série, entendendo-os como realidades parecidas, mas sutilmente diferentes. Lembro-me de já estar completamente apaixonada pelo universo de Infinite após minhas primeiras horas de gameplay, mas a cena que me arrebatou de vez foi a que Elizabeth abre uma fenda para Paris, cidade que ela sonha conhecer. A cena é, diga-se de passagem, repleta de easter eggs, a começar pelo trocadilho feito por meio do nome da banda, Tears for Fears :)

Everybody wants to rule the world 

A existência de realidades alternativas é central na história do jogo. No decorrer dos testes realizados com a Lutece Particle, Rosalind acabou tendo a sua primeira interação com Robert Lutece, [SPOILER] uma versão masculina sua proveniente de um universo alternativo. Os dois descobriram uma forma de se comunicar por meio das barreiras do espaço-tempo mediante Código Morse, até que, por meio da Máquina de Fendas Dimensionais, que lhes permitia acessar essas realidades alternativas, ambos conseguiram se encontrar. Além de peças-chave no enredo de BioShock, os Lutece são em grande medida responsáveis pelas excelentes pitadas de humor do jogo, além de terem um papel similar ao de personagens como o G-Man de Half Life, aparecendo em momentos inusitados com falas enigmáticas.

"It's like a, a window. A window to another world. Most of the time they're dull as dishwater. A different color towel, or tea instead of coffee. But sometimes... sometimes I see something amazing" — Elizabeth.

Se em Rapture, frente aos ideais ultracapitalistas e individualistas defendidos por Ryan, havia ruptura total com o governo norte-americano desde a sua origem, Columbia nasceu como um projeto do governo dos Estados Unidos, sendo apresentada como amostra de virtuose tecnológica e militar na Feira Mundial de Chicago em 1893.

Como já deve ter ficado evidente, a ambientação de BioShock Infinite é recheada de referências à história norte-americana. Figuras históricas importantes são direta ou indiretamente mencionadas ao longo da trama, notadamente Abraham Lincoln, considerado traidor pelos cidadãos de Columbia em virtude de seus ideais abolicionistas. Em determinado momento do jogo, ao entrarmos na propriedade de um casal secretamente unido à resistência, nos deparamos com uma pintura de Lincoln na sala de estar. Por sua vez, quando estamos na Fraternal Order of the Raven — organização nacionalista afiliada à Elite dos Fundadores e análoga à Ku Klux Klan —, vemos um quadro retratando o seu assassinato pelas mãos de John Wilkes Booth, cultuado como herói pelos membros da ordem.

Já no início do jogo, somos surpreendidos por seguidores de Comstock rezando frente a estátuas dos três fundadores dos Estados Unidos — George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin. Por fim, por meio da figura de Cornelius Slate, ficamos sabendo de mais detalhes acerca da atuação de Columbia em eventos históricos importantes, como o Massacre de Wounded Knee, no qual nativos americanos foram dizimados na Dakota do Sul; e o Levante dos Boxers, na China, ocasião em que as forças de Columbia intervieram sem a autorização do governo americano, o que culminou com sua separação dos Estados Unidos. Nesse ponto, também ficamos sabendo da atuação de Booker ao lado de Slate em ambas as batalhas, fato que além de nos permitir conhecer mais a respeito do seu passado, ajuda a delineá-lo como um personagem mercenário e frio.

"Tin men, Booker! Thats what Comstock will turn us into! Wires and gears to replace heads and hearts!" — Cornelius Slate.

Mecânica e dinâmica entre os protagonistas

BioShock Infinite não apresenta exatamente batalhas contra chefes, o mais próximo sendo alguns confrontos contra inimigos mais fortes em ambientes fechados, como os Handymen (análogos aos Big Daddies) e os Fireman. Outros inimigos de artilharia mais pesada são os Motorized Patriots, autômatos sem qualquer senso de autopreservação que perseguem o jogador incessantemente, tendo como arma uma Crank Gun. Acerca dos últimos, só digo que quem nunca foi perseguido por um Motorized Patriot não sabe o que é desespero.

A ambientação, diferentemente dos títulos anteriores, é aberta e permite uma ampla gama de movimentações ao jogador, que pode se mover pelo cenário a pé, por meio de gondolas ou pelas skylines que conectam as diferentes partes da cidade. Além das armas, Infinite mantém a proposta dos BioShock anteriores ao oferecer ao jogador “poderes” (tais como possessão humana, lançamento de raios etc.) obtidos por meio de Vigors (análogos aos Plasmids). Esses poderes podem ser combinados de diversas formas para lutar contra hordas de inimigos.

Exemplo de rocket automaton

A relação de Booker e Elizabeth desenvolve-se de modo interessante no decorrer da narrativa, especialmente considerando o contraste entre o caráter mercenário e cínico de Booker e a natureza inocente, frágil e sonhadora de Elizabeth. A dinâmica da dupla é excelente para combate. O jogador controla Booker, enquanto Liz oferece suporte na busca de munição, dinheiro (time is money!), Salts (para recarregar os Vigors) e kits médicos. Elizabeth também tem a habilidade de abrir cadeados usando lockpick, bem como de decifrar códigos que aparecem ao longo do jogo, inclusive em side quests. Outro ponto interessante é que Booker não precisa protegê-la de inimigos, uma vez que ela mesma se esconde, o que já exclui a problemática da Inteligência Artificial burra, tão comum em diversos personagens acompanhantes no universo dos games.

"— Do you ever get used to it? The killing?" — Elizabeth

"— Faster than you can imagine" — Booker.

O excelente trabalho de voice acting feito nesse jogo também não deixa a desejar, sobretudo no que diz respeito aos protagonistas. A interpretação de Troy Baker (Booker) e Courtnee Draper (Elizabeth) ficou perfeita e contribuiu muito para a química entre os dois. Aliás, toda a sonoplastia de Infinite é mágica. Nada como ouvir os belos sinos ao longe quando estamos em determinados locais da cidade. Os sons contribuem para criar uma ambientação incrivelmente imersiva que nos transporta para Columbia.

Outro recurso narrativo que enriquece a ambientação de Infinite são os voxophones, dispositivos de gravação que podem ser coletados pelo jogador ao longo do gameplay. Por meio deles, ouvimos gravações deixadas pelas personagens a fim de obtermos mais detalhes sobre o enredo e sua participação nos acontecimentos. Além das principais, encontramos voxophones de personagens secundárias e de civis de Columbia, tais como os de Constance Field (adoro o humor quântico desse jogo rs), garotinha solitária que leu todos os livros sobre Física quântica escritos por Rosalind Lutece e sonha em conhecer Elizabeth. No voxophone em questão, percebemos toda a reverência da população de Columbia para com a figura de Elizabeth.

"Madame Lutece -- I have read all of your books on the sciences. Mama says, 'it's not a fit occupation for a lady', but I think she's jealous of our cleverness. It is true that only you are allowed to visit the girl in the tower? If the Lamb is lonely, too, I should like to meet her, as we would have much in common" — Constance Field.

Em suma, a história de BioShock Infinite é intrigante, cativante e incrivelmente complexa, tanto que, à época, dividiu opiniões entre os jogadores, deixando grande parte do público confuso e rendendo inúmeras teorias quanto ao seu final. O game foi constantemente descrito por alguns como "belamente cruel" em virtude das temáticas graves abordadas, com cenas de violência explícita e retratações pesadas de racismo. Se você curte narrativas ricas e profundas, jogos com ambientação imersiva, gameplay dinâmico, personagens interessantes, frases memoráveis e trilha sonora das boas, Infinite é o jogo certo para você.

"— The lord forgives everything. But I'm just a prophet, so I don't have to. Amen". — Comstock.

A seguir, deixo um dos trailers de que eu mais gosto. Assista e capture toda a essência de Infinite 






(Estou até agora tentando entender o que diabos aquele cara está fazendo com o carrinho...)






     "Why ask what, when the delicious question is when?" — The Lutece.

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